quinta-feira, 18 de junho de 2009

Ayrton Senna: O Mágico do Kart - Parte IV

A rivalidade entre Senna e Mario Sergio de Carvalho, seu maior e mais persistente adversário no kart brasileiro, era tanta, e os dois estavam com tal freqüência na primeira fila do grid, que o ato de autorizar uma largada, em movimento, como todas do kartismo, era um pesadelo para os diretores de prova.

Os karts eram empurrados, mas tinham de andar alinhados, lado a lado, até a bandeirada do diretor. Ayrton e Mario, tentando adivinhar, um na frente do outro, o momento em que a bandeira seria agitada, simplesmente não conseguiam ficar lado a lado. Depois de quatro ou cinco voltas lentas, o diretor parava todos os karts e advertia os dois rivais, ameaçando mandá-los para a última fila do grid.

Não adiantava. Empurrados os karts, Ayrton e Mario voltavam a se vigiar pelo canto dos olhos e a dar falsas largadas por mais quatro, cinco voltas. Era quando o diretor de prova costumava perder a paciência, mandando os dois para a última fila do grid, geralmente atrás de quinze pilotos. Acontecia quase sempre. E quase sempre um dos dois acabava vencendo a prova, mesmo largando lá de trás.

Foi em uma dessas corridas que Senna sofreu um acidente assustador, no fim da reta principal do kartódromo de Interlagos. Na luta para voltar à ponta, depois da punição que o colocara no fim do grid, Ayrton decolou, ao tocar na traseira de um adversário. Seu kart saiu capotando para um lado e o capacete voando para o outro. Ele terminou estirado no meio da reta. E quem deu de cara com ele foi Mario Sergio, andando no limite, igualmente determinado a voltar à ponta depois da punição da largada. Só teve tempo de desviar do rival caído no asfalto, entrando com duas rodas na grama.

Na origem daquele acidente, um provável erro na aplicação da técnica que Ayrton e outros kartistas usavam para tirar os adversários da frente. O preparador Tchê, mais de vinte e cinco anos depois, explicaria: “Ele não batia. Na verdade, empurrava os caras para fora da pista. E empurrava seguindo uma técnica que o mantinha da pista, enquanto os outros iam parar na grama. Ela consistia em nunca acertar o carro por trás, para evitar a decolagem. A idéia era se aproximar pelo lado, evitar o toque de rodas e empurrar lateralmente o chassi do adversário”.

Mario Sergio também usava a técnica, mas acha que Ayrton abusava um pouco dela: “Ele tinha muita dificuldade de negociar as ultrapassagens”.

A rigorosa economia de amabilidades entre Ayrton e Mario Sergio não impediu que os dois conseguissem, juntos, uma façanha. Nas Três Horas de Interlagos, no segundo semestre de 1976, correndo em dupla e usando pneus nacionais, bem mais lentos, eles deixaram para trás astros das categorias superiores como Chico Serra, Válter Travaglini e outros que usavam pneus Goodyear importados, bem mais velozes. A vantagem, no final, foi de três voltas e, mesmo assim, Senna e Mario Sergio não se falaram.

Os dois tinham em comum a determinação e o profissionalismo. Ayrton estudava de manhã e passava as tardes no kartódromo. Mario Sergio estudava de tarde e, por isso, usava as manhãs para treinar. De segunda a sexta. Fizesse sol, fizesse chuva. Os resultados apareciam nos finais de semana, quando os dois estavam sempre disputando a ponta à frente de 28, 30 adversários.

Para o jornalista Lito Cavalcanti, a façanha de Ayrton ultrapassava o duelo com Mario Sergio na pista:

"Ayrton era um demônio. Matava o filho do dono do kart".

O “dono do kart” era Mario de Carvalho, pai de Mario Sergio, fabricante e fornecedor de peças dos dois pilotos. Lito acrescenta:

"Notícia, para nós, era Ayrton Senna não ganhar".

Mario Sergio não discute, mas registra uma incorreção que vem sendo repetida pelos que contam a história da carreira de Senna no kart:

“Parece verdade, mas não é. Ao contrário do que dizem muitos currículos de Ayrton publicados na mídia, ele não foi campeão paulista de kart em 1976. Senna foi vice. O campeão fui eu”.

Chico Serra, a grande estrela do kart brasileiro na época, lembra, quase três décadas depois, que tinha uma rivalidade “estranha” com Senna. Um clima de animosidade que só existia fora da pista, já que os dois, salvo em competições amistosas ou extra-campeonato, nunca se cruzavam. Por causa da idade, Chico, três anos mais velho que Ayrton, estava sempre na categoria de kart imediatamente acima da de Senna. Mesmo assim, os dois não se falavam. Para Chico, o fato de Ayrton chegar muito rápido e chamar logo tanta atenção fez com que o clima ficasse pesado: “Um sabia quem precisava ser derrotado. E o outro sabia quem era a ameaça”.

Ayrton nem se dava ao trabalho de subir num muro para ver como era o autódromo de Interlagos. Mas um dia, durante os treinos para o GP do Brasil de 1979, ele ouviu um ronco tão forte que correu para o muro. Era a Ferrari de Gilles Villeneuve, entrando no antigo retão do circuito. Fórmula 1, para Ayrton, naquela época, ele diria depois, em uma entrevista à revista Exame VIP, era “um sonho absolutamente inatingível."

No resto do ano Ayrton, não ligava para o que se passava no autódromo. Tchê tinha uma tese para explicar aquele descaso. Achava que Ayrton não se sentia tão seguro com os carros, pois vivia perdendo rachas para Antônio Português, um amigo do bairro de Santana. Oficialmente, porém, o comentário de Senna sobre as corridas que aconteciam do outro lado do muro era outro:

- Esse negócio é muito lerdo.

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