Nos treinos para a corrida que se seguiu ao Canadá, o GP da França, dia 5 de julho, em Magny-Cours, nada que Brundle, Senna, Schumacher, Berger e os projetistas da McLaren e Benetton fizessem, ainda que em sistema de condomínio, impediu que Nigel Mansell fosse três segundos mais rápido. Na corrida, outra dobradinha de Mansell e Patrese, desta vez garantida pela ordem, cumprida com desgosto por Riccardo, de ceder a liderança a Nigel.
Atrás dos pilotos da Williams, um pouco mais de pólvora para a guerra que todos já esperavam: Schumacher tentou ultrapassar Senna, que, previsivelmente, não facilitou. Os dois se tocaram e rodaram. Ayrton foi até o boxe da Benetton e, dedo em riste, não só reclamou como aproveitou para responder às queixas que Schumacher fizera para Ron Dennis e alguns jornalistas no GP do Brasil daquele ano.
"Você fez uma grande besteira, me jogou para fora da pista e, em vez de falar com seu chefe ou com os jornalistas, estou vindo falar com você agora".
"Ele me acusou de atrapalhá-lo no Brasil, mas meu motor estava cortando, não era intencional. Se tivesse conversado comigo, eu diria".
Em Silverstone, dia 12 de julho, em outro passeio de Mansell, Ayrton, em vez de enfrentar Schumacher, travou um duelo antológico de 52 voltas, este sem reclamações das partes, com Martin Brundle, pelo terceiro lugar. Até ter a transmissão quebrada e cair para a 18ªª posição.
O caldo da rivalidade entre Senna e Schumacher entornou de vez nos treinos para o GP da Alemanha, em Hockenheim. E, diferentemente do adversário frio, cerebral e cuidadoso que enfrentara em Prost, Ayrton encontrou à sua frente, no final da reta que dava acesso ao trecho sinuoso do estádio, um rival ousado e agressivo como ele, disposto a aplicar-lhe, a mais de 300 por hora, um brake test. O resultado: furioso, Senna passou quase uma volta tocando rodas com Schumacher. E, em boa parte do tempo, a cerca de 300 por hora.
Ayrton nem esperou o carro parar, na volta aos boxes. Revoltado, tirou o capacete e caminhou firme em direção à Benetton. Alcançou Schumacher no fundo da garagem. Depois de empurrar e sacudir o alemão pelos ombros, gritou:
"Da próxima vez vai ser a última!"
Jo Ramirez fez parte da brigada de resgate da McLaren que afastou Senna do agravamento da situação, enquanto um grupo da Benetton se encarregou de arrastar Schumacher para uma providencial entrevista à TV alemã. Mas Senna esperou Michael voltar da entrevista e, com a intermediação de Flavio Briatore, conversou com ele. Por trás do brake test, ainda o incidente do GP do Brasil. Senna explicou que não estava atrapalhando Schumacher intencionalmente. E ofereceu até os registros da telemetria da Honda como prova de que o motor, em Interlagos, estava mesmo sofrendo cortes.
No final daquele dia, era inevitável associar as entrevistas dos envolvidos às dos tempos de Ayrton na Lotus-Renault. Desta vez, era o veterano Senna que falava de um novato brilhante:
"Schumacher tem talento, está no início da carreira e sob grande pressão, mas tem que saber logo como são as coisas. Alguém pode se machucar".
No Brasil, no dia seguinte, as manchetes também se pareciam muito com as da imprensa européia nos tempos da Lotus preta de Senna. Com o título "Alemão faz do carro uma arma", a edição do Estado de S. Paulo de 7 de julho de 92 reclamou:
"O alemão Michael Schumacher, da equipe Benetton, está se tornando um piloto sem limites. Envolveu-se em inúmeros acidentes, quase todos por culpa sua. O mais grave, porém, acontece quando Schumacher parece não enxergar quem vai à sua frente e tenta ultrapassagens impossíveis".
Eram as voltas, no caso, muito rápidas, que o mundo dava.
A temporada da discórdia se foi, e iniciou o ano de 1993, com o Schumacher mostrando um amadurecimento muito grande, embora ainda apresentasse alguns erros pela sua imaturidade, o fato é que o alemão cresceu muito no decorrer dessa temporada e continou a subir constantemente ao pódio. Entretanto a maturidade, experiência e talento de Ayrton Senna, continuou a falar mais alto, e Senna venceu o duelo específico com Michael. Nesse ano, a Mclaren e a Benneton, disputavam publicamente uma versão mais atualizada do motor Ford Cosworth, muito embora a Mclaren tenha ficado preterida nessa questão ( com um motor de aproximadamente 80 Cv à menos se em comparação a Benneton), o que se viu fora um Senna brilhante e muito técnico durante toda a temporada de 1993.
O episódio mais marcante da temporada no entanto envolvendo Senna e Schumacher, se deu no templo do Automobilismo (Silverstone) e contou com a participação de um grande personagem. O dia 11 de Julho, nos cedeu, o encontro de três dos maiores pilotos de todos os tempos, e em disputa por posições: Senna, Schumacher e Alain Prost. Alain Prost, com um carro visivelmente superior, tenta atacar Senna de todas as formas, e esse lhe fecha todas as oportunidades possíveis e impossíveis. Atrás, lá vem o alemão Michael Schumacher, que atento à história de Senna & Prost, esperava que os dois se estranhassem e a corrida caísse sobre seu colo. Entretanto, em uma situação quase que insustentável, o francês ultrapassa Senna e este por sua vez é atacado novamente, agora por Michael. Um show de defesas, de Senna, entretanto a ultrapassagem era iminente, visto que o motor de Schumacher costumava falar mais alto principalmente nas retas. No paddock e na cabine da Benneton, Briatori deixa escapar uma frase digna de seu temperamento explosivo e nem sempre polido:
"Mas que cara f..., esse Senna."
Quando Schumacher finalmente ultrapassa Senna, Briatori não se contém e soca no ar, como se fosse uma vitória. Na verdade esse era o sentimento de muitos, inclusive dos pilotos, ao ultrapassar um piloto do nível de Senna, que sempre fora reconhecido por não entregar fácil as posições e que naqueles dois anos especificamente (92,93), tinha se tornado um piloto ainda mais "durão".
O mundo ainda estava perplexo diante da atuação dos três grandes pilotos em Silverstone, quando Jackie Stewart disse em entrevista à Murray Walker:
"Acompanhar àquele momento, foi como ouvir um hino à pilotagem. Dois gênios e um prodígio, em situações de extremo risco e extremo talento. Guardarei para sempre essa lembrança comigo."
O ano de 1993 se encerra, com Senna vencendo as duas últimas corridas e deixando claro à todos de quem era o grande piloto da categoria. No ano seguinte, haveria então o encontro do melhor carro e do melhor piloto, e Senna com a aposentadoria de Prost, era considerado como o grande favorito da temporada. Entretanto as mudanças no regulamento, propostas pela FIA, tornaram o carro de Senna aquilo que ele mesmo confessou à amigos íntimos, como o Braguinha:
"Braga, o carro é uma verdadeira porcaria. Muito irregular, mergulha muito nas curvas e não tem consistência. Mas eu vou deixar os caras loucos (engenheiros da Williams) e o carro vai crescer durante a temporada, mas acho que o carro do alemão, está fora do regulamento e isso me preocupa."
Realmente Senna, estava correto, meses depois a FIA investigou a Benneton e descobriu que a mesma apresentava o TC (controle de tração) elemento proibido pelo regulamento e uma mangueira de reabestecimento, cujo bocal apresentava largura excedente à norma. O fato é que nas três corridas iniciais daquele ano, fica incorreto fazer qualquer prévia, pois Ayrton mesmo com um carro muito irregular, sagrou-se pole position em todas as corridas. No GP do Brasil, teve um erro ao tentar se aproximar de Michael e no Pacífico foi alboroado por Mika Hakkinen. Na fatídica corrida de Ímola, ele fora vitíma de um erro de projeto de Patrick Head e da equipe de engenharia da Williams.
O que fica de certo é que com a morte de Senna, o mundo pode ter perdido aquele que tinha tudo para ser o maior espetáculo da F1 na história. Schumacher desde então dominou a F1, e se tornou, ao menos em quesitos estatísticos, o maior piloto de todos os tempos, muito embora seja contestado pela longevidade em sua carreira. Schumacher em suas entrevistas (principalmente após a morte de Senna) continuou demonstrando um profundo respeito e admiração pelo tricampeão, tanto que nas corridas disputadas no Brasil ele sempre fazia questão de visitar o túmulo do brasileiro. Willi Weber, disse em entrevista à um jornal alemão (Bild), o impacto da morte de Senna na vida de Schumacher:
"Schumacher teve que amadurecer dez anos, em dez meses. De caçador, ele passou a ser caça. Tudo isso foi o impacto da morte de Senna na carreira dele. Lembro-me que ele passou exatos dois meses em estado de choque pelo acidente e sempre que encontrava-se comigo, dizia-me sobre a vontade de parar de correr. Senna era mais do que um adversário, era um ídolo para Schumacher, e talvez por isso, ele tenha sentido tanto a morte dele."
*Agradecimento: Agradeço ao pesquisador Adriano Henrique pelo prestimoso apoio no recolhimento de fotos para a construção desse arquivo.